8 de out. de 2014

O Problema do Medo

"O homem sensato é capaz de perceber um problema, mas incapaz de criar outros tentando resolvê-lo..."
jevem pensando
A maioria dos nossos receios não são criações espontâneas, mas induções voluntárias..
Não podemos negar nossos receios, tais coisas de fato existem. Não se trata de fantasia ou delírio psicológico. Todos os têm. São temores pessoais, coletivos, inconscientes, e há um número incontável de qualificações e explicações para todos os nossos medos. 

Mas conhecer as causas dos nossos receios, novos e velhos, não resolve o problema do medo. A causa é uma coisa, o sentimento medo é outra. As causas, estas podemos evitar, o sentimento de medo, aparentemente não. 

E ainda há o receio de tudo que se oponha ao nosso bem estar. E a coisa a princípio é muito simples. Fomos orientados desde cedo para buscar, em todas nossas ações, satisfação pessoal, e o mais importante, sempre negando a possibilidade da ocorrência dos eventuais e indesejáveis efeitos colaterais. 

Assim, qualquer obstáculo que se coloque como impedimento ao princípio básico da autosatisfação, será para nós uma causa, a porta através da qual o medo, em uma de suas incontáveis nuances, poderá se manifestar. 

Satisfação quer dizer, sossego, saúde, prazer, sucesso, e todas as variantes de realizações bem sucedidas. E há também o status de ser reverenciado e reconhecido como capaz. Logo, a ideia de poder está implícita nessa relação, assim como o receio de não se obter nada disso. 

Sabemos bem que a coisa através da qual o medo se manifesta em nós, não é propriamente o “estado de medo”. A causa é o despertador, o ponto de partida, a condição, e pode ter incontáveis motivos. Já o sentimento de medo, este é um estado emocional inato e que embora necessite de um motivo para aparecer ou se manifestar, não precisa de nenhum para existir. 

É fato conhecido que a barata, o inseto, é para muita gente a causa de fobias, conscientes ou inconscientes. Mas também sabemos que, em determinadas culturas, pessoas idolatram a barata como objeto de fetiche, e outros a tem como uma fina iguaria em sua culinária. E assim podemos perguntar: por que a barata não assusta a todos? 

A resposta é simples, porque a barata não é o medo, e sim um objeto qualquer, uma ideia condicionada, a fonte, um processo através do qual o medo psicológico se manifesta em algumas pessoas ou indivíduos de uma cultura, mas não em todas. Não sendo em todas, não é o medo. 

O objeto causador do medo não é o medo, mas apenas a causa, a circunstância através da qual o efeito medo se mostra. Através desse motivo, ele irá emergir das profundezas ocultas da nossa mente, e nos usará como veículo de manifestação. 

Vivemos numa eterna condição onde somos obrigados a escolher. E há o processo de escolha para tudo. Que caminho devemos tomar para ir ao trabalho, qual a melhor hora, qual o melhor carro, qual a melhor roupa, qual o melhor partido para nossa relação matrimonial, qual o melhor nome para identificarmos nossos filhos. 

De verdade, nunca paramos de escolher, e eis uma evidência de que nunca somos livres. A escolha nos aprisiona. E onde há escolha há sempre conflito, e onde há conflito não existe liberdade. E onde há conflito e falta de liberdade não existe discernimento. 

O ato de escolher já é o próprio conflito. Escolho porque tenho as opções; escolho porque não sou livre para fazer o que quiser. Escolho porque desejo para mim o melhor dentre os disponíveis. Desejo enfim, garantia de satisfação. Mas se buscamos garantia em alguma coisa, é porque não há garantia. É porque há a possibilidade de que aquilo não se concretize, ou não perdure o tempo que julgamos necessário para que possamos nos sentir plenos, realizados. O que gera a insegurança, quer dizer, medo. Medo de perder o que já temos, medo de não conseguir o que ainda não temos, medo de não nos tornarmos aquilo que ainda não somos. 

O nosso instinto básico de preservação nos diz que devemos evitar tudo aquilo, quer dizer, situações, que possam nos agredir, injuriar, por em risco nossa integridade física. Essa condição, comum entre as espécies do reino animal, não foi criada pelo pensamento, não depende de conceituação ou qualquer tratado ideológico criado por acadêmicos. Trata-se de um processo natural, e é espontâneo. Isto significa dizer que nossos sentidos estão preparados, de berço, para se comportarem dessa forma. 

Assim, ao sofrer alguma agressão do meio onde vivemos, seja por má alimentação, seja por acidente, a natureza nos dotou de um mecanismo, que permitiria memorizar aquele evento, apenas para que não precisássemos repetir a mesma experiência negativa, uma vez que em casos críticos, isso poderia ser fatal. A lógica é simples, um erro deve servir de referência para os acertos, nunca de referência para novos erros.



Memorizada a experiência, está resolvido o problema. E temos cinco sentidos e mais traços do nosso temperamento inato que estão encarregados de avaliar o que é mais adequado ao nosso bem estar. E se os cinco sentidos somados às nossas idiossincrasias trabalham como sensores para aferição, há o órgão hospedeiro, para onde são encaminhadas todas as impressões sensoriais. Ali tudo é documentado, memorizado, tudo que é experiência gravada, seu nome, cérebro. 

Assim, pela lembrança, sabemos tanto quais são os eventos que podem nos prejudicar, quanto aqueles que podem nos beneficiar. Um evento, efeito, qualquer que seja, nunca poderá estar dissociado do seu objeto, a causa que o motivou. Desse modo, há sempre um objeto que nos conecta diretamente com qualquer problema, seja qual for sua natureza, cujo resultado seja capaz de proporcionar insatisfação ou prazer.



criança
Não é do escuro que temos medo, mas daquilo que supostamente se esconde lá dentro...
Se temos receio de alguma coisa, o fato de estarmos conscientes desse receio, não resolve nada. Temos medo de muita coisa. Medo do fracasso, medo de não agradar ao esposo ou a esposa, medo da obscuridade existencial. Saber disso não ajuda em nada à superação destes medos. 

A solução mais simples para se atravessar um rio caudaloso, certamente que não é a construção de uma ponte, especialmente se estivermos com pressa e sem os recursos para isto. Podemos fazê-lo nadando. Mas, podemos ficar horas, ou dias, imaginando, ruminando, perdido em elucubrações, sobre o que pode nos acontecer durante a travessia. No entanto, e se o rio apesar de caudaloso, e da aparência hostil, fosse raso e suas corredeiras fracas? Poderíamos então atravessar simplesmente caminhando. 

Entretanto, para descobrir se ele é raso, precisamos nos aproximar e examinar suas águas, e assim conhecê-lo melhor. Mas, nosso pensamento está contaminado, condicionado pelo princípio da crença. Ele dificilmente duvida de alguma coisa, por isso mesmo nunca investiga a veracidade e consistência de nada, inclusive, de suas próprias ideias e certezas. 

Mas, o que é o medo, o racional, psicológico, afinal de contas? Será um estado emocional, um mecanismo de origem natural, do qual foram dotados todos os seres vivos, ou algo exclusivamente humano? 

Nos animais irracionais há uma condição que é o sentido de preservação, mas esta não é medo, uma vez que não pode ser racionalizado, calculado, medido, conscientemente avaliado. E essa condição não podemos classificar como medo, uma vez que não há uma causa conscientemente definida. Nesse caso existe apenas o sentido involuntário e instintivo de preservação em ação. 

O medo como o conhecemos e vivenciamos é uma condição essencialmente racional e emocional, pois só podemos temer aquilo que conscientemente, com lucidez, seja capaz de nos fazer algum tipo de mal, portanto, algo conhecido. Assim, não existe medo sem motivo. Uma coisa é certa, como não existe medo sem causa, a causa de qualquer medo, já é virtualmente o próprio medo. 

E há em nós também o medo instintivo, involuntário, e a este chamamos de prudência. Sabendo que ao cair em um buraco posso me ferir, evitar o buraco é necessário, mas não será preciso temê-lo. Isto é precaução voluntária, lúcida, e aí não existe medo. E há o medo psicológico. Este é irracional, não depende de uma ameaça concreta, não têm causas aparentes. Foi criado pelo pensamento, baseado em deduções e estatísticas, em teorias, em sugestões, é nesse tipo de medo que estamos, nesse momento, interessados. 

A essência do medo, o psicológico, está toda centrada na imprevisibilidade, na expectativa pelos resultados. Temos medo das consequências, por isso somos tomados pela irracionalidade. O pensamento fica confuso, não sabe lidar com a situação, por isso busca nas respostas prontas, contidas em suas memórias, um esclarecimento capaz de ilustrar de uma forma que lhe pareça adequada, objetiva, toda situação. Mas, o que pode parecer adequado, sensato, para uma mente confusa, desorientada, tomada pelo temor? 

E está exatamente aí raiz do problema. A irracionalidade é a falta de pensamentos coerentes, é patológica, é o fanatismo, a alienação, a falta de coerência, a lavagem cerebral que me condiciona, me induz a seguir padrões, sem que, em momento algum, exista uma trégua para reflexão. Um cérebro condicionado nunca aprendeu a pensar, a questionar, duvidar, por isso prefere imitar. Está repleto de crenças, se recusa a questionar a veracidade de qualquer coisa. Deixou de ser curioso, por isso se tornou irracional, mecânico, acredita que seus temores são coisas reais, assim como, aparentemente o são, todo seu repertório de crenças pessoais. 

Descobrir do que temos medo, só tem valor, se também estivermos dispostos a descobrir porque o temos. E descobrir porque o temos, só tem valor se estivermos dispostos a compreender esse medo, como ele é capaz de nos afetar emocionalmente e fisicamente, quais são os seus prováveis efeitos e desdobramentos. 

Saber que temos medo, isso todos já sabem. Saber do que temos medo, isso também não é nenhuma novidade, uma vez que o motivo é o próprio medo. Questionar porque temos medo de tais coisas, pode ser o início da solução para o problema. Ocorre que não queremos nos aprofundar nos motivos que acabam por despertar em nós o medo, eles podem revelar particularidades nossas que preferimos ocultar, esquecer, ignorar. Assim, compreender tudo isso, pode revelar porque as causas, para nós, agora constitui um problema. 

No entanto, se estou de fato disposto a examinar porque aquilo me amedronta, preciso olhar também porque tenho medo das consequências, e enumerar cada uma delas. Depois irei avaliar se tudo isso é racional, se tem lógica, se é verdadeiro, se meus temores estão ancorados em fatos, evidências irrefutáveis, e não em ideias, crenças dogmáticas, mitos, fantasias sem lastro consistente. 

Se me sinto inseguro por ser incapaz de assumir responsabilidades, preciso me perguntar qual é o verdadeiro motivo dessa insegurança. Deve existir algum receio, uma consequência que me atemoriza. Essa consequência está amparada por fatos, é coisa real, concreta, comprovada, irrefutável? Ou, ao contrário, tudo não passa de suposições, traumas, conjecturas, ou ilusões resultantes de uma lavagem cerebral que condicionou meu cérebro ao longo dos anos, criando em mim um comportamento sugestivo e patológico, razão pela qual sempre procuro uma resposta mecânica diante da situação.



Ser inseguro é ser medroso, é ser covarde, é não ser capaz de assumir riscos. Mas, esta descrição está muito longe de significar o estado de insegurança em si, e assim, ao me deixar levar pela descrição, não me permito compreender e investigar, sentir, constatar em mim, o real significado daquele estado. 

A coisa é simples, se sou inseguro, há um motivo, sem esse motivo não haveria insegurança, e isso deveria me bastar para compreender a coisa. Procurar meios de mascarar minha insegurança não resolve o problema. Preciso constatar que ela existe, que é real, e o mais importante, admitir que a tenho. Se admito, posso descobrir as causas e resolver de vez a questão. Pronto, conhecendo os motivos, reconhecendo meus limites, onde estão meus pontos fracos ou falhos, posso ir além deles. 

Como poderei livrar-me de uma falha que há em minha personalidade, se não reconheço, comprovo, admito, que tal coisa exista em mim? Sem a constatação do problema, não haverá caminho para investigação da patologia. Uma doença sem diagnóstico é uma doença para a qual não existe cura.

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